relatório

1. Introdução – Contextualização

Pensar em alternativas sustentáveis é um desafio que exige inovação, empenho e criatividade em qualquer lugar do mundo. Em um país tão vasto e cheio de especificidades regionais como o Brasil, essa provocação se confirma. Por isso, precisamos buscar novas soluções em temáticas essenciais como: ambiente construído, energia, mobilidade, saneamento (água e resíduos sólidos), além da soluções baseadas na natureza (SbN).

Nesse contexto, como conciliar o desenvolvimento urbano com a natureza, respeitando as particularidades do ecossistema e construir um ambiente mais inclusivo e sustentável? O diálogo entre os setores públicos e privados, a disseminação de soluções transformadoras e a motivação de cada vez mais pessoas a se engajarem em um tema tão urgente são alguns dos caminhos para alcançar um planejamento que integre a construção de cidades possíveis e que se adequem às demandas da população e às da natureza. São esses, em resumo, alguns dos objetivos do Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS).

O Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) integra o CITinova, um projeto multilateral realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e executado em parceria com Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) e Porto Digital, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Programa Cidades Sustentáveis (PCS) e Secretaria do Meio Ambiente (SEMA/GDF). O papel do OICS é articular gestores públicos, sociedade civil, empresas e academia em prol da agenda urbana, cocriando alternativas para a transição das cidades rumo à sustentabilidade e ampliando o alcance de ações inteligentes que tem o poder de transformar – independente de prazos ou escalas – a realidade futura dos municípios e das pessoas com soluções que podem ser replicadas e adaptadas ao cotidiano de diferentes lugares. Não é necessário pensar em grandes tecnologias ou mudanças radicais: transmutar o pensamento e entender que a malha urbana e tudo que está inserido nela – incluindo o ser humano e as consequências de seus modos de vidas – também são parte da natureza e uma das questões mais relevantes e trabalhosas de assimilar.

O Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) integra o CITinova, um projeto multilateral realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e executado em parceria com a Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) e o Porto Digital, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o Programa Cidades Sustentáveis (PCS) e a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA/GDF).

O papel do OICS é articular gestores públicos, sociedade civil, empresas e academia em prol da agenda urbana, cocriando alternativas para a transição das cidades rumo à sustentabilidade e ampliando o alcance de ações inteligentes que tem o poder de transformar – independente de prazos ou escalas -– a realidade futura dos municípios e das pessoas com soluções que podem ser replicadas e adaptadas ao cotidiano de diferentes lugares.

Nosso trabalho de mapeamento de soluções urbanas inovadoras nos fez ter a certeza de que não é preciso ir muito longe nem pensar em cidades futurísticas para descobrir que estas soluções são viáveis e trazem incontáveis vantagens para a qualidade de vida da população: as iniciativas estão bem mais próximas do que imaginamos. No Planalto Central Brasileiro, a 125 km do Distrito Federal, a cidade de Anápolis, em Goiás, possui pouco menos de 400 mil habitantes e diversas iniciativas do poder público e empresariais que apontam que a sustentabilidade é um caminho transformador e rentável.

Por isso, convidamos você a conhecer Anápolis e se inspirar nas iniciativas relacionadas à energia, água, resíduos sólidos, ambiente construído e soluções baseadas na natureza, que estão  levando consciência e desenvolvimento ambiental, cultural e social para o cerrado goiano.

2. Um pouco sobre Anápolis

Anápolis é uma cidade de 113 anos, situada na região central de Goiás e, por consequência, do Brasil. Talvez por isso tenha recebido o apelido de “coração do Brasil”. Quem nasce no município é anapolino. E, segundo o IBGE, em 2020, a cidade contava com mais de 390 mil moradores , o que faz de Anápolis a 3ª maior cidade goiana e a 67ª maior do país.

O território da cidade faz fronteira com o município de Pirenópolis ao norte e divide os limites ao sul com Leopoldo de Bulhões, Terezópolis de Goiás e Goianápolis. A leste de Anápolis, estão as cidades Gameleira de Goiás e Abadiânia; Nerópolis, Campo Limpo de Goiás e Ouro Verde de Goiás estão localizados ao oeste. Silvânia finaliza a lista de municípios que fazem parte do entorno de Anápolis, situada ao sudoeste da cidade. Anápolis se situa a 51 km a Norte-Leste de Goiânia. Confira a distância para outras cidades do país: 

  • São Paulo : 839 km
  • Rio de Janeiro : 948 km
  • Brasília : 125 km
  • Salvador : 1185 km
  • Fortaleza : 1807 km
  • Belo Horizonte : 656 km
  • Manaus : 1907 km
  • Curitiba : 1014 km
  • Recife : 1785 km
  • Belém : 1656 km
  • Porto Alegre : 1543 km
  • São Luís : 1618 km

Em termos de relevo, Anápolis está situada numa região chamada de “Planalto do Alto Tocantins-Paranaíba”, subunidade no Planalto Central brasileiro. Sua altitude é de 1.017 metros. Em geral, o terreno do município é formado por planos ligados por rampas, o que traz a imagem de uma superfície relativamente ondulada e acidentada.

O clima do município é tropical com estação seca. Sua altitude elevada contribui para um clima mais ameno que o de Goiânia, capital do estado, com variações de temperatura entre 18º e 28º.

A vegetação é caracterizada por uma área de tensão ecológica, ponto de contato entre o cerrado e as regiões das matas (ripárias, semicaducifólias e de interflúvio), além de áreas de intervenção direta humana e descaracterização da cobertura vegetal para a produção agrícola.

Do ponto de vista da hidrografia, Anápolis possui dezenas de córregos e ribeirões com pequeno volume de água não-navegáveis, que durante o período das chuvas, costumam transbordar, inclusive nas áreas urbanas. Os principais cursos d’água do município são os ribeirões Antas, Piancó, Padre Souza e João Leite. As nascentes e os pequenos rios que cortam Anápolis contribuem para as bacias do Rio Paraná, Tocantins e Araguaia.

A localização estratégica de Anápolis, reconhecida desde antes da sua elevação a município, traz impactos e reconhecimentos. A cidade é notada por seu parque industrial e por sua força logística. Segundo informações do BNDES, o Eixo Brasília-Anápolis-Goiânia é uma espécie de porta de entrada para a região mais dinâmica do país, um grande hub que conecta os mercados consumidores (sul e sudeste), os portos exportadores (Santos, Paranaguá, Sepetiba e Tubarão) com os portos do norte (em São Luís e Belém).

Todas essas características fazem de Anápolis uma cidade cheia de desafios relacionados ao crescimento e desenvolvimento, mas que também possui diversas oportunidades e grande potencial de realização.. Neste contexto, projetos e soluções estão sendo desenvolvidos para responder a essas demandas de forma responsável e sustentável. Nas próximas páginas vamos apresentar cinco desses projetos, para inspirar a multiplicação de suas soluções em outras cidades do Brasil que se identifiquem em condições ou características com o município goiano.

3. Projetos

[Pomar Urbano]

O modelo de vida urbana em grandes centros cria uma distância considerável entre os seres humanos e o cultivo dos alimentos: antes de chegar nas prateleiras de supermercados e sacolões, até mesmo frutas e verduras percorrem um longo caminho até chegar nas mesas da população e muitas vezes se limitam a espécies mais comuns, desconsiderando a riqueza de diversidade regional dos frutos de cada bioma. E se frutas nativas, características da região,  estivessem mais próximas  da população, plantadas em espaços públicos, acessíveis a todos?

A proposta do Pomar Urbano de Anápolis é resgatar a cultura das frutas do cerrado e fomentar a biodiversidade local a partir da atração de polinizadores com o cultivo de árvores frutíferas. Localizado no Parque da Cidade, na região sul de Anápolis, o Pomar está inserido em uma área que possui 815 hectares de natureza e a nascente do Rio Antas. Pensado inicialmente para ajudar a preservar o vasto espaço do parque, a Prefeitura Municipal de Anápolis começou o plantio no início de 2020 e, no intervalo de 12 meses, totalizou 6 mil mudas plantadas na área preservada.

Apenas espécies nativas do cerrado foram escolhidas para serem plantadas nos viveiros que integram o projeto, uma vez que as árvores já acostumadas às intempéries do cerrado e rigor climático do bioma se adaptam melhor do que outras frutíferas. A cultura local também possui um fator relevante nesta decisão: os sabores do Cerrado, cada vez mais distantes da alimentação ultraprocessada e industrializada, passam a ser mais valorizados e resgatados junto às árvores que crescem no pomar.

A cada final de semana, cerca de 2 a 3 mil pessoas circulam pelo parque, e ainda que a frutificação – que leva entre 3 e 5 anos em algumas espécies – leve mais tempo, o engajamento da população já está sendo colhido como resultado: muitas famílias já participaram do projeto doando tempo e mão de obra para os plantios de mudas de plantas, tais como a mangaba, jatobá, taperebá, açaí, cagaita, pequi, uvaia, pequi, araçá, guapeva, entre outras, em um espaço privilegiado na entrada no parque, chamando atenção de quem frequenta o local. Como as árvores são nativas da região, a manutenção é mínima e a resistência do cerrado dispensa o uso de qualquer tipo de agrotóxico.

Reconhecer o cerrado em outros ambientes, conhecer sabores marcantes, saber que é possível nutrir-se do que está disponível na natureza e desenvolver um senso de cuidado com o bioma são os maiores ganhos do projeto. O objetivo do Pomar não é abastecer a cidade de Anápolis, mas educá-la com a rica cultura alimentar da região: esta também é uma forma de  conscientizar a população de que outras relações com o alimento e a natureza são possíveis.

A partir do momento que a pessoa se alimenta de algum fruto que ela encontra no Pomar, ela passa a valorizar mais o ambiente. Ela percebe que ali tem algo além do visual, e compreende que muitas pessoas se alimentavam daquelas frutas. Com o conhecimento e a experiência pessoal dentro do parque, vai existir também uma tendência de preservação. Não é só uma árvore comum, o fruto é muito gostoso.  Acreditamos que as pessoas vão ter um cuidado maior com o próprio cerrado”. Ernestino Neto, diretor de Meio Ambiente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Habitação e Planejamento Urbano de Anápolis

Outras iniciativas para inspirar

Inspire-se em outras iniciativas que apostam em no plantio de árvores frutíferas para contribuir com a biodiversidade nativa:

Dados e números

  • De acordo com dados do banco de dados da Global Ecovillage Network (GEN)10 , existem mais de 6 mil ecovilas registradas em 114 países do mundo.
  • Segundo dados do IBGE1,, das 10 frutas mais comercializadas no Brasil, apenas uma é nativa do nosso país, o abacaxi.
  • O Brasil é o país com a maior biodiversidade de plantas e animais e, mesmo assim, 90% da vegetação urbana é exótica2.
  • Pesquisas na área de fruticultura apontam que existem mais de 100 espécies frutíferas nativas brasileiras3.
  • Até 2030, segundo a ONU4 , precisaremos de um incremento de 35% na produção de alimentos no mundo para alimentar toda a população mundial.

Tendência de Comportamento Relacionada: Amor Local

De acordo com a empresa global de pesquisa de tendências TrendWatching, uma tendência observada no Brasil e no mundo é o que pode ser chamado de Local Love, ou em português, Amor Local. A tendência traduz uma sensibilidade emergente e um gosto das pessoas pelo que é autêntico e original de um território. Com a globalização e a fácil distribuição de bens de consumo por todos os cantos do planeta, chegamos a um estágio de homogeneização que leva as pessoas a buscarem alternativas genuínas em situações de consumo. A valorização de produtos locais vem acompanhada, na maioria dos casos, de um maior grau de conhecimento a respeito da sua história, origens e ligação com o território. 

1 Pesquisa de Orçamentos Familiares, IBGE (2010)2 Pesquisa de Ricardo Cardim, mestre em botânica pela Universidade de São Paulo
3 De acordo com informações do livro Colecionador de Frutas – Volume 2 de autoria de Helton Josué Teodoro Muniz 4 Informações apresentadas no documento Megatendências Mundiais 2030, IPEA (2015)

[Pró-Água]

Zelar pelos recursos hídricos é uma questão inadiável em todo território urbano e rural: precisamos deste recurso para abastecer casas, famílias, lavouras, tanto em termos hídricos quanto energéticos. No caso específico do cerrado, dois problemas causados pelo desequilíbrio no ciclo de água atingem a população: a estiagem e as enchentes. Para restaurar a ordem dos ciclos na cidade de Anápolis, o programa Pró Água foi criado com a proposta de recuperar, a partir de soluções baseadas na natureza, as nascentes do município, que abriga o Ribeirão Piancó, principal manancial da região que abastece cerca de 400 mil habitantes e mais de 200 produtores rurais.

O Pró Água começou a ser pensado enquanto projeto pela Secretaria de Meio Ambiente de Anápolis em 2018e, até 2020, 750 mil árvores foram plantadas em toda extensão do município, tanto na área urbana quanto na rural. Para pensar na qualidade da água do Ribeirão Piancó, é necessário compreender que ambas as áreas – urbana e rural – têm impactos na nascente. Dessa forma, com o objetivo de contribuir com a conservação, uma área de preservação foi criada para proteger nascentes da bacia hidrográfica. A partir de esforços legais da Secretaria de Meio Ambiente, pontos estratégicos do programa se transformaram em um decreto municipal (nº 44.990) e em seguida, tornou-se uma legislação – Lei 4.108, que está em vigor desde 08 de fevereiro de 2021. Dessa forma, mesmo com mudanças na gestão do governo, as ações em prol da água são perpetuadas a longo prazo em forma de políticas ambientais que devem ser contínuas por lei.

Para restabelecer o ciclo natural da água, o programa atua em três frentes de conservação: do solo, da biodiversidade e da água. Para conservar o solo e mitigar problemas como alagamento, foram criados poços de infiltração, jardins de chuva, swails e cacimbas que protegem o solo de erosões a partir da formação de proteções superficiais. Isto garante a ocupação do solo e que todo o ciclo natural da água se complete, da infiltração à recarga do lençol freático. O plantio de mudas nativas do cerrado colabora com o enriquecimento da biodiversidade, contribuindo também com a melhoria dos problemas climáticos da região e com a preservação da água.

A mudança cultural proposta pelo Pró-Água foi um dos grandes desafios do programa: inicialmente, houve grande resistência dos produtores em aceitar e aderir ao projeto. Mas a partir de workshops e ações educacionais, a Secretaria Municipal de Anápolis tem construído a consciência de que cuidar da água é um trabalho coletivo e contínuo, que pode trazer inúmeros benefícios a longo prazo para a região, incluindo transformar a preservação ambiental em um atrativo turístico para a cidade. Os efeitos imediatos são positivos: em 2021, Anápolis não enfrentou problemas de falta de água, mesmo nos períodos de seca.

“As árvores típicas da região são mais adaptadas, tem mais resiliência à sazonalidade do clima. Os ciclos estão muito irregulares. O cerrado é uma floresta de cabeça pra baixo. Por serem nativas e terem raízes profundas, a própria planta tem uma capacidade enorme de adaptação. Isso também faz com que as pessoas da cidade tenham contato com as árvores típicas do cerrado.” – Thiago Vitorino, assessor técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Anápolis

Outras iniciativas para inspirar

Conheça outros programas que utilizam soluções baseadas na natureza para recuperar nascentes e proteger bacias hidrográficas a partir da preservação do solo e do plantio de árvores.

Dados e números

  • O Brasil concentra 12% das reservas de água doce do planeta 5.
  • Entretanto, a distribuição é irregular: 68% da água doce brasileira está na Região Norte, onde reside apenas cerca de 8% da população 6.
  • Um estudo realizado pelo Banco Mundial e pela WWF mostrou que apenas um terço das 105 maiores cidades do mundo extrai uma proporção significativa de sua água potável de áreas protegidas 7.
  • Está entre as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU a proteção e restauração de ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos 8.

Tendência de Comportamento Relacionada: Regeneração em Crescimento

A consultoria global de tendências e inovação Wunderman Thompson aponta em seu relatório “Regeneration Rising: Sustainability Futures” uma mudança de comportamento em direção a práticas regenerativas. Segundo o estudo, “a regeneração vai além da sustentabilidade—visando um impacto positivo e restaurador, em vez de apenas procurar causar menos danos”. Um dos números apontados no relatório, que comprova a preocupação das pessoas com o tema, é que 85% das pessoas se dizem preparadas para repensar a maneira como vivem e consomem para enfrentar as mudanças climáticas.


5 Informação disponível no site do Serviço Geológico do Brasil – CPRM6 Informação disponível no site do Serviço Geológico do Brasil – CPRM7 Publicação “Nascentes do Brasil: Estratégias para a Proteção de Cabeceiras em Bacias Hidrográicas”, WWF–Brasil (2007)8 ODS 6 – Meta 6.6: “Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas,
zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos.

[Ecovila Santa Branca]

Entre Anápolis e sua vizinha Terezópolis de Goiás, a 40km da capital goiana, foi criado um empreendimento imobiliário que prioriza a recuperação e a preservação da natureza, além dos elementos mais relevantes da permacultura desde sua concepção até a ocupação humana. Um condomínio verde, que tem a sustentabilidade e a vida em contato com a natureza como propósito. Esta é a ideia da Ecovila Santa Branca, que começou a ser projetada em 2000. A proposta inicial foi uma aposta alta: transformar, a partir da ocupação humana, uma área degradada pela agropecuária ao longo de três décadas de atividades intensas.

O terreno de 180 hectares, que antes abrigava um pasto danificado, tornou-se lar para 150 mil árvores nativas do cerrado que fomentam a biodiversidade e atraem mais de 300 espécies de animais silvestres para o local. Animais domésticos, como cães e gatos, não são permitidos, uma vez que, além de prejudicarem a fauna local mediante predação e competição, podem, inclusive, disseminar doenças  . A partir dos princípios da permacultura, a ecovila foi desenhada pensando a sustentabilidade como forma de atender às necessidades dos moradores sem comprometer as perspectivas das gerações futuras. Por isso, todas as inserções feitas na natureza precisam respeitar três parâmetros: a biodiversidade, os ciclos vitais do planeta e a proteção do solo.

Dividido em 330 lotes com tamanho entre 1.500 e 4.500 m², a Ecovila Santa Branca conta atualmente com aproximadamente 1.000 moradores, que devem seguir as normas estabelecidas. Entre elas, estão: ter 20% de área arborizada, tratar o próprio esgoto (utilizam bacias de evapotranspiração), drenar e reutilizar as águas das chuvas, entre outras, de modo que os recursos naturais completem seus ciclos. Para contribuir com este objetivo, taludes, swails, aceiros e jardins de chuva foram planejados para potencializar o uso consciente dos recursos naturais.

Os resíduos sólidos domiciliares são de responsabilidade dos próprios moradores. A partir de um trabalho educacional na ecovila, os residentes receberam treinamentos de uma consultoria para serem capazes de diferenciar e fazer a gestão do próprio lixo. Os resíduos orgânicos são aproveitados para compostagem nos lotes individuais: cada morador escolhe o processo mais adequado para a quantidade gerada em sua casa, enquanto os resíduos secos passam por uma separação na fonte e seguem para a Central de Resíduos da Ecovila, de onde são encaminhados para a reciclagem por meio da coleta seletiva municipal. Um dos grandes desafios da comunidade está nos resíduos que não são reciclados no município – como o vidro. No entanto, o interesse e o engajamento dos moradores na destinação dos resíduos levou à criação de uma comissão para tratar o assunto e buscar soluções para aquelas questões que ainda não foram respondidas satisfatoriamente.

O arrefecimento da temperatura é uma das respostas positivas do meio ambiente à redução dos impactos negativos causados pela ação antrópica no local: a vegetação e o tipo de construção das moradias (adobe) contribuem significativamente para a percepção de um clima mais ameno do que nas regiões urbanas próximas. Além de reabilitar ambientalmente a área geográfica, proteger a biodiversidade do cerrado e promover a possibilidade de uma vida mais conectada com a natureza, a Ecovila Santa Branca demonstra que ecologia e economia podem – e devem – caminhar juntas.

“Escolhemos deliberadamente este lugar para mostrar que é possível pegar um espaço degradado e transformar um assentamento humano com impacto ambiental positivo. Isto vai contra tudo que a gente conhece e é permacultura pura: mostrar que o homem não é um adoecedor do meio, pelo contrário, é um fomentador do meio. Se aqui podemos fazer isto, o mesmo pode ser feito em qualquer outro lugar” Antônio Zayek, idealizador e morador da Ecovila Santa Branca

Outras iniciativas para inspirar

Descubra as propostas de outras ecovilas que utilizam soluções baseadas na natureza para promover qualidade de vida em diferentes lugares do mundo:

Dados e Números

  • De acordo com dados do banco de dados da Global Ecovillage Network (GEN)10, existem mais de 6 mil ecovilas registradas em 114 países do mundo.
  • De acordo com a GEN , as ecovilas contribuem diretamente com três objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU: Cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11), Consumo e produção responsáveis (ODS 12) e Ação contra a mudança global do clima (ODS 13).
  • Ainda segundo a GEN12, em seu relatório mais recente (2019), estão registradas em sua biblioteca cerca de 574 soluções sustentáveis provenientes de ecovilas.
  • O relatório registra também que 23 governos ao redor do mundo implementaram programas de desenvolvimento de ecovilas.

Tendência de Comportamento Relacionada: Êxodo Urbano e Reconexão com a Natureza

Podemos citar duas tendências de comportamento quevêm sendo observadas nos últimos anos e que foram aceleradas pela pandemia de coronavírus: a migração das pessoas para cidades menores ou áreas rurais dos municípios e a busca por moradias que permitam contato direto com a natureza.

“Se o êxodo urbano for compreendido como o retorno aos municípios menos povoados, então não estamos, de fato, falando de êxodo urbano, mas de um movimento de migração de pessoas cuja estabilidade no emprego e a elevada renda as permitem simular, nas ilhas urbanas do interior agropecuário, a vida urbana metropolitana” – Tadeu Alencar Arrais, coordenador do Observatório do Estado Social Brasileiro e professor associado da Universidade Federal de Goiás (UFG) em artigo para a revista do SESC SP.

Por outro lado, são diversas pesquisas e estudos que apontam benefícios – para a saúde, qualidade de vida e sensação de felicidade – de se morar próximo à natureza. Tais benefícios, combinados aos desafios da vida nas grandes cidades (mobilidade, qualidade do ar, saúde mental) têm levado cada vez mais pessoas a buscar alternativas em áreas rurais do Brasil.


10 Disponível no site ecovillage.org
11 Idem anterior12 idem anterior

[Aterro Sanitário]

Salientar a maneira com que os municípios lidam com o lixo é de extrema relevância para pensar o estilo de vida que levamos enquanto sociedade: o que fazer com as sobras do que consumimos? Até 2003, a cidade de Anápolis descartava seus resíduos em um lixão a céu aberto. Foi a partir dos esforços e exigências legais do Ministério Público que um projeto de coleta, destinação e tratamento dos resíduos mais adequado passou a ser desenvolvido.

Situado na Zona Rural de Anápolis, o Aterro Sanitário da cidade conta com um espaço de 250 mil metros quadrados e recebe um volume de 280 toneladas de lixo domiciliar a cada dia e 12 mil toneladas de resíduos da construção civil mensalmente. A estrutura do local foi pensada – e aprimorada ao longo dos anos de funcionamento – para que a segurança e a precisão fossem requisitos básicos da operação: o aterro é todo monitorado por câmeras de segurança, possui balanças computadorizadas e iluminação LED, enquanto a equipe de fiscais e vigias é capacitada para proporcionar um ambiente de excelência que assegura o bom funcionamento do aterro.

O primeiro passo para tornar o Aterro Sanitário um modelo mais sustentável antecede as etapas de tratamento dos resíduos: o processo de separação de recicláveis, realizado por cooperativas formadas por famílias que anteriormente catavam itens no lixão, contribui para diminuir a quantidade de resíduos que poderiam ser aproveitados de outras formas. Todo o material reciclável é pesado, computado e encaminhado para as cooperativas localizadas nos arredores do aterro, colaborando para que os trabalhadores da reciclagem conquistem mais condições de segurança e cidadania nas atividades que exercem, sem a necessidade da atuação direta dos catadores na separação dos resíduos recicláveis.

Mesmo após uma licitação que concede a administração do Aterro a uma empresa terceirizada, a Prefeitura de Anápolis acompanha de perto as fiscalizações de entidades como a Vigilância Sanitária, a Agência Estadual da Agrodefesa e outros órgãos que regulamentam as atividades do aterro. Em busca de melhorias constantes, tanto estruturais quanto de governança, o aterro já incorporou ações como o tratamento químico do chorume, o reúso da água tratada para regar células e jardins gramados e parcerias com empresas que atuam com logística reversa de itens como pneus e eletrônicos.

“O principal é estar sempre buscando novos meios de trazer qualidade para dentro do aterro. Um tratamento novo, a logística reversa. É necessário buscar as novidades, acompanhar o que está sendo feito e adaptar à realidade de cada munícipio. É preciso estar disposto a mudanças e se colocar à disposição para ir atrás das melhorias” – Yan Castro, Diretor de Limpeza Urbana de Anápolis

Uma das inovações mais interessantes adotadas é o modelo de crédito, que contribui para equilibrar os elevados gastos financeiros do aterro: amparado por um termo de cooperação entre a prefeitura, o Ministério Público e outros três municípios da região, o Aterro de Anápolis recebe os resíduos das cidades de Terezópolis de Goiás, Ouro Verde e Campo Limpo a partir da compra de crédito. O valor varia de acordo com quantidade de toneladas de resíduos que são encaminhadas a cada mês.

Desta forma, a sustentabilidade econômica do modelo de negócio se torna mais viável e interessante para órgãos públicos e iniciativas privadas. Alcançar outros objetivos capazes de aumentar a vida útil do aterro, como a construção  de uma usina de reciclagem, produção de biogás e a transformação de resíduos sólidos em ativos financeiramente interessantes para empresas, torna o município cada vez mais próximo de suas metas de curto e médio prazo.

“O principal é estar sempre buscando novos meios de trazer qualidade para dentro do aterro. Um tratamento novo, a logística reversa. É necessário buscar as novidades, acompanhar o que está sendo feito e adaptar à realidade de cada munícipio. É preciso estar disposto a mudanças e se colocar à disposição para ir atrás das melhorias” Yan Castro, Diretor de Limpeza Urbana de Anápolis

Outras iniciativas para inspirar

Aprenda mais sobre saneamento com outras iniciativas que realizam a gestão de resíduos sólidos de forma inteligente e inovadora:

Dados e Números

  • Segundo um estudo13 da Associação Brasileira das Empresas de Tratamento de Resíduos Sólidos e Efluentes (Abetre), cerca de 60% dos municípios brasileiros ainda utilizam lixões, o que impacta a vida de, aproximadamente, 42 milhões de pessoas. Além disso:
    • Nos 3.556 municípios brasileiros que responderam à pesquisa, estima-se que existam 2.307 unidades de disposição final, sendo 640 aterros e 1.667 lixões. Ou seja, a cada 10 locais de destinação final, sete são lixões.
    • Esses locais recebem, por ano, mais de 70 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, sendo 78% recicláveis (dentre orgânicos e secos). Rejeitos e outros representam 22%.
    • As regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste registram a maior quantidade de destinação incorreta, com mais de 80% dos rejeitos despejados em lixões.
  • De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), para cada dólar gasto em boa gestão de resíduos, economiza-se nove dólares em saúde pública 14.

Tendência de Comportamento Relacionada: Economia Circular

O conceito de Economia Circular foi criado com base no pensamento “Cradle to Cradle” (“Do Berço ao Berço”, em português), um sistema cíclico de produção no qual os recursos podem ser “infinitamente” reaproveitados. O conceito e o comportamento, amplamente disseminados em países europeus, busca criar estratégias para estender a vida útil dos produtos, reutilizando-os ao máximo e transformando-os em novas matérias-primas, o que passa pelo descarte correto e pela reciclagem dos materiais. Esse pensamento almeja também reduzir a geração de resíduos e promover práticas que permitam a renovação dos recursos na natureza.

[Estacionamento Solar da UniEvangélica]

Um dos recursos naturais mais abundantes no Brasil, especialmente no cerrado, é a energia solar. Como aproveitá-la melhor para produzir energia de forma limpa e sustentável? Analisando o aproveitamento da energia fotovoltaica e acompanhando a redução dos custos do desenvolvimento tecnológico, a Universidade Evangélica de Goiás buscava uma alternativa que ajudasse a gerar energia e reduzir de custos no campus da faculdade desde 2011, principalmente diante do alto consumo de energia elétrica causado pela inserção de equipamentos de ar condicionado nas salas de aula e a necessidade de geradores que utilizam combustível fóssil para os períodos de apagões causados pela seca.

Através do Programa de Eficiência Energética (PEE) da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que obriga geradoras, distribuidoras e concessionárias a destinarem porcentagem de suas respectivas receitas a projetos de eficiência energética, e através de uma chamada pública da CELG (antiga distribuidora de energia de Goiás) a qual teve seu projeto contemplado, a UniEvangélica conseguiu apoio para tornar a iniciativa viável. Para aproveitar o espaço disponível, o estacionamento foi o local escolhido por ter um custo efetivo interessante: ao colocar os geradores fotovoltaicos nas coberturas das vagas, é possível aproveitar todo o potencial da energia solar, sem interferência de sombras, além de diminuir consideravelmente o número de cabos necessários para o funcionamento da operação. Após a aprovação do projeto pela CELG em 2018, que subsidiou 75% do investimento de 4 milhões de reais, a usina foi inaugurada no ano seguinte.

A energia gerada pelo estacionamento solar da UniEvangélica atende a 80% da demanda do campus e ainda injeta energia renovável e limpa na rede elétrica municipal. A energia gerada desde a implantação da usina fotovoltaica, em 2019, evitou a queima de mais de 4 milhões de toneladas de dióxido de carbono, equivalente a 411 carros ligados o tempo inteiro no período de um ano.

Se por um lado gerar energia renovável é uma frente importante na mudança cultural da UniEvangélica, reduzir o consumo também é importante para tornar o campus mais sustentável: após substituir as lâmpadas internas e externas por lâmpadas de LED, reduziu-se o consumo em 40%.

Além dos impactos ambientais e econômicos positivos, também é de grande importância para a universidade incentivar estudos e projetos científicos que atuem com projetos de eficiência energética. Por isso, além do estacionamento solar, um laboratório de geração de energia integra o projeto, para que os estudantes possam levar para fora da universidade – para suas casas ou empreendimentos, por exemplo – alternativas energéticas mais sustentáveis.

“Fizemos um estudo da capacidade de geração eólica em comparação com a geração solar. Por estarmos mais próximos à linha do Equador, o nível de radiação solar que recebemos no nosso estado traz uma capacidade de gerar energia muito alta. Um dos países que mais aproveitam a energia fotovoltaica no mundo é a Alemanha, que tem uma capacidade de geração que é praticamente a metade que temos aqui em Goiás. A gente de certa forma aposta na energia fotovoltaica por vermos iniciativas em outras áreas que também investem nisso.” – Lúcio Boggian, Diretor Administrativo da UniEvangélica

Outras iniciativas para inspirar

Conheça outras iniciativas que buscam gerar energia limpa, causando menos impacto no meio ambiente.

Dados e Números

  • De acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, o uso da energia solar no Brasil corresponde a 1,7% de toda a matriz energética brasileira, sendo a energia solar residencial responsável por 72,6% do montante, seguida por empresas de comércio e serviços (17,99%) e pela energia solar rural (6,25%).15
  • O uso da energia solar fotovoltaica no Brasil atingiu 30 mil imóveis em todo o país, alcançando a potência instalada de 4.460 MW e obtendo um crescimento de 45% em relação a 2018.16
  • A energia solar no Brasil está localizada, principalmente, nos estados de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Paraná, Mato Grosso, Pernambuco e Goiás também compõem a lista, porém têm geração de energia menor do que os outros citados.17
  • Estima-se que, em 2024, o território brasileiro contará com, aproximadamente, 887 mil sistemas de energia solar conectados à rede instalados, estabelecendo uma maior economia em relação às distribuidoras convencionais, além da manutenção e preservação ambiental do País.18

Tendência de Comportamento Relacionada: Energia Solar é Rei

A energia solar será o “novo rei” do fornecimento de eletricidade, com uma expansão maciça e acelerada, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Em seu relatório, World Energy Outlook 2020, a agência prevê que as energias renováveis baterão novos recordes a cada ano, a partir de 2022, graças a “recursos amplamente disponíveis, custos em declínio e apoio político em mais de 130 países”. O Fórum Econômico Mundial destaca duas iniciativas que ilustram essa tendência. A primeira vem de Adelaide, no sul da Austrália, onde piscinas, estacionamentos, depósitos e edifícios comunitários são alimentados inteiramente por energia renovável. A segunda vem do Vietnã, que aumentou em 25 vezes sua capacidade solar em apenas um ano.  Ao final de dezembro de 2020, 9,3GW de capacidade solar haviam sido adicionados ao sistema, algo equivalente a seis usinas de carvão.

De acordo com o documento Megatendências Mundiais 2030, elaborado pelo IPEA (2015), “tudo indica (…) que a energia solar será muito mais eficiente no futuro. Essa eficiência ocorrerá em função dos avanços nos materiais utilizados, incluindo polímeros e nanopartículas.”


15 Dados disponiveis em: https://www.absolar.org.br/mercado/infografico/
16 Idem anterior17 Idem anterior18 Idem anterior

4. Conclusão

Como você pode observar ao longo dos projetos, são diversas as soluções com potencial de aplicação nas mais diversas cidades brasileiras. Nosso objetivo aqui foi apresentá-las, com informações complementares, para inspirar a sua ação.

As cidades do futuro precisam de investimentos em infraestrutura, no presente. Não a infraestrutura da forma como compreendemos até agora, e sim, aquela referenciada pela Comissão Global sobre Economia e Mudança Climática, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com essas entidades, as infraestruturas contemporâneas estão se voltando para dois objetivos: enfrentamento das as mudanças climáticas e a luta contra as desigualdades.

O Secretário Geral da ONU, António Guterres, afirmou durante reunião do Grupo C40 de Grandes Cidades para a Liderança Climática que as cidades são “uma força positiva e crescente no cenário global”. Principalmente depois da pandemia de COVID-19, que trouxe novos desafios – como altas taxas de mortalidade e perdas econômicas.

Segundo Guterres, as cidades têm três papéis importantes no combate aos efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos:

  1. A cooperação entre prefeitos e líderes nacionais para apresentar contribuições mais ambiciosas, antes da Conferência Climática da ONU, COP-26, que acontece em novembro de 2021 no Reino Unido.
  2. Fazer planos ambiciosos para a próxima reunião e assumir o compromisso de ter emissões líquidas de carbono zero até 2050.
  3. Aproveitar a recuperação da pandemia para acelerar o investimento e a implementação em infraestrutura limpa e verde e sistemas de transporte.

Por isso, esperamos que os projetos e soluções aqui apresentados, possam ser referência e inspiração para as transformações necessárias e urgentes nos municípios brasileiros. E assim, tornarmos realidade o atendimento aos objetivos de desenvolvimento sustentável, garantindo o bem-estar das nossas populações e da vida no planeta.